terça-feira, 1 de junho de 2010

*Pausa nos Verbetes* Coisas de olhar (num domingo)

Tu me olha curiosa, como quem olha o céu sem saber que se trata apenas de um enfeitado cemitério de luzes. Brinca de relicário com alguma lembrança nova, um pouco minha, um pouco tua, e se desfaz num encanto bobo, quase mundano.

Gosto do teu jeito de pedir petit-gateau no café, essas colheradas descabidas e teu olhar me procurando do outro lado da mesa, com a rua de fundo como se fosse Montmartre.

Parece que gosto do que tua blusa esconde, o que sobra do meu jeito bruto de dizer que estou contente ali do teu lado no sofá. Até eu te jogar em algum lugar ou te pegar no colo... Ou fumar um cigarro na janela sem ninguém me cuidar.

“Tu já foi loira?” pergunto juntando tua franja com meus dedos, contando os fios e passeando com os olhos, cuidando pra tu não me pegar notando o topo dos teus seios pela blusa.

Eu não premedito qualquer carinho, nem condeno os guardanapos às bobagens que eu fico escrevendo. Parece que tem algum segredo ali, um perfume incerto e o jeito que tu te contradiz, a maneira como tu me deseja em silêncio. Daí aparece algum entardecer. "Posso fugir?" Claro que não, de quê? De quêm? E tu até finge muito bem gostar das minhas respostas vagas e do cheiro de sexo que fica no quarto ao redor dos gatos.

Mas claro que eu escrevo. Tento me decifrar te oferecendo um mimo, algo para te entreter enquanto a vida passa. E eu fico te olhando. Sou bom em ficar te olhando, decorando por onde irradia esse brilho hipnótico que vem pro mundo entre um piscar e outro.

Me calo por enquanto.

Sorrio e te digo que isso é bossa nova, que isso é muito natural. E tu ouve até meu silêncio como se fosse grande coisa. “Aposto que tu chora...” Interrompo minha própria frase, como se fosse grande coisa, já não sabendo se falava da empáfia penosa que é ter de ficar ouvindo algum poeta ou a saudade sepultada nos lábios, tremendo sem saber por onde começar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário