quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Trópico de ilha

Prometi a mim mesmo que não voltaria a te escrever. A pena balança na minha mão como um florete usado num crime. Sou o pior cumpridor das minhas promessas e ao meu redor, um par de anjos desocupados, não mais que isso, erguem um altar para celebrar o olhar patético que jogo por sobre o mundo. "Um feito janela de inverno, com neve e sujeira pra ser limpa depois." Tu dizia ao pé do meu ouvido, flertando com um bafo de cognac e um hino de meretriz preso aos dentes, quase canção, quase meio tom fora do lugar.


Bem como tu imagina, eu não me sento para escrever. Impaciente ou guloso, as letras do alfabeto me julgam de uma maneira mais branda que tu. Para mim isso é só a calmaria que vem com a maldita ressaca do mar. Os bons costumes e as verdades bordadas já não dizem tanto, "é só o vento", mas tu tava errada, era um fim sem começo implorando por um seguimento sem regras e pautas - ou mesmo pentagramas. Divina primavera essa que me floreia com severas melancolias sem âncora. É a vertigem desgarrada e a febre, uma doce impressão de que os segundos não passam, mas contaminam um ao outro.


Sim, é isso, o mundo pára e só tenho tempo para "esses" que andam de mãos dadas com a loucura, com uma fantasia amaldiçoada a nunca tanger o carnaval. A pena titubeia, não há frase que comece sem preferir o silêncio a própria existência. O perfume suado entre teus seios daria uma boa sinfonia. Essas bobagens com um rebusque jogado não te fazem bem, nem a mim. Segundo nossos beijos e carícias, também não fazemos. É uma ansiedade breve. E condenamos os poucos pares de lábios que temos a tudo isso.

O juízo entristecido da sobriedade bate a porta. O papel vence a pena esta noite. A saudade é carcereira dum sorriso atirado a derrota.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Antinomia breve e o guardanapo

É quente, não tem nada a ver com calor, mas é algo quente. Talvez seja um perfume familiar, uma fantasia que mora entre o corredor e a porta. Tentar nomear as coisas e ordená-las é no mínimo injusto. Eu observo aquilo que sobra entre os dedos, fecho a mão não como se quisesse pegar algo, ou mesmo reter perto de mim, mas só para colaborar com o pequeno espetáculo sem platéia ou mesmo cortinas. Os lábios parecem queimados, não do sol, nem de uma bebida, não é uma percepção precisa, a lembrança quase nunca se parece com o que ela deveria ser.

Eu rabisco um guardanapo de papel e tento decidir o destino daquela angústia se aninhando entre os olhos, podando os cílios como se fossem mata fechada. É difícil manter os olhos abertos, talvez seja a fumaça do cigarro, ou mesmo as incontáveis horas já acordado. Dar ordem as coisas não consta no meu contra-cheque. Mas é a parte mais trabalhosa do dia. É quando as coisas vão se apagando, fica-se no escuro e as regras são outras. As vidas são outras. O barulho do coração batendo apressado no peito é ensurdecedor.

Escrevo. Não escrevo. Pincelo com uma caneta trocentas mentiras que quando olhadas contra o sol começam a se manchar do que parece verdade. “Parece verdade, soa como verdade. Não posso me deixar enganar, não é verdade.”

Isso tudo pertence ao reino da tentativa e erro. Tenta-se mergulhar no escuro, erra-se o tocar das mãos num hiato bastante breve. Tenta-se os lábios, erra-se a vontade, tenta-se uma marca bonita e singela. Erra-se. O brinde é uma cicatriz invisível. Mas ela queima. Entre os lábios. Não importa a hora do dia. Nem o que se acha que deve pensar. É algo pronto pra ser sentido. Melhor reprodução é livre pra brincar com a imaginação, com o sonho e com o desejo.

É melhor poupar o guardanapo.