segunda-feira, 21 de junho de 2010

Rascunho pra noite mais longa do ano

Depois do teu sorriso, tua melhor arma é o conta-gotas. Pinga gordos pedaços de água aqui e ali, às vezes com os olhos, sem se dar conta, sem nem imaginar que dali corria algo. Às vezes com a língua, tateando por um pedaço teu que fica viajando de ponto-em-ponto pra te surpreender no fim do dia. Pinga umas frases curtas, respostas rápidas e cheias de tanto por redor.


Tu pinga e alucina, sai de si. Si não, é a última nota da escala natural, prefiro o Dó e Lá menor. La menor. La pequeña. Pequenina alucinação distorcida com cores sóbrias e tigrados de uma fábula escrita na cama. Frases rápidas e curtas. Gemidos curtos e demorados.


Eu percebo os contrastes favoritos, guardo eles num relicário meio acordado meio dormindo, um bocado preguiçoso. Tu brinca com as minhas cores, minha elegância fajuta, meu mau-caratismo pouco convincente mas tão bonito. Um pouco bruto, um pouco cheio de nada, um bocado carinhoso de boca cheia.


Eu te conto uma receita de bolo enquanto teu pé brinca de chão com o meu. E as horas não passam nunca, a gente tem o nosso tempo, a nossa medida pra tudo. Sem tocar no adorável exagero do que nos encanta, e às vezes tu não nota que eu tô sempre cantando, principalmente quando eu tapo a falta que tu vai fazer com o resto dos minutos que o carteado me dá. Daí a gente vê que o tempo passa rápido, nos dá um soco e vai demorando até o interfone tocar outra vez.


A noite é longa, tu vai falando meio no meu pescoço. Meio dentro da minha boca. A noite é minha e tua sem tu acreditar. Aí tu te acostuma até se surpreender outra vez, tu tenta debater com a idéia de que eu nunca vou embora, mesmo quando é tu quem vai embora. Bobagem, ninguém vai a lugar nenhum. Shh, não conta pra ninguém, a gente tá sempre ali.


Escrevo sem pensar, sem medir, tenho certeza que tu prefere assim, sem a borda rebuscada e a métrica perfeita. Sem rima rica. Sem nada. Tu gosta das coisas nuas, principalmente quando parte de mim. Te pego num quadro no olhar, mapeando um pedaço meu de pele, meu cheiro, do que tu gosta, do que tu não gosta tanto e o que tu nunca tinha pensado em gostar, mas aí já não vive sem. Nossa, como tu presta atenção em mim, logo eu que não digo nada dizendo tudo pra só falar procurando um ponto pra frase. Ele é meio anacrônico, mas é meu. Outra vez, shh, não conta pra ele, deixa ele desconfiar, a gente se gosta nos fiapos, sem pressa, numas linhas demoradas. Posso rimar mudez com nudez? Quantos absurdos eu posso falar sem roupa sem te deixar entediada? Tudo. Todos. Sim. Gosto. E os convites...


Feito dois criminosos, abandonamos o mundo. Dois fujões excitados num ônibus teimoso e lerdo. Com dor tu me convida pra anoitecer e espanta o cansaço com qualquer sorte de desejo, um pouco bêbados de sono, um pouco embriagados de nós mesmos, dos nossos silêncios, dos nossos casos pela porta no corredor-elevador. Daí, por acaso eu me sinto em casa. E sem perceber tu me faz casa num colo desajeitado.


A gente nunca percebe nada. Quando vê, tem uma luz vermelha banhando tudo num gesto de alerta! Cuidado, é perigoso! E o perigo sai de cena pela coxia pra só voltar no último ato, receber os aplausos do público por causa de qualquer bobagem performática que só a gente traduz do nosso jeito. E sem perceber nada a gente já tem o nosso jeito. Geralmente quando a luz vermelha apaga é quando começa a saudade.


E ela sempre começa.

All the time, every minute.

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