quinta-feira, 2 de junho de 2011

Falso Frio


“Não é verdade. Aos poucos eu... Eu juro que sim. Eu prometo, eu valido. Não sei, talvez seja uma mentira esquisita, uma espécia de verdade que pinga por aí, fica vazia, suja o chão e o carpete. Cuida pra não derrubar nada, especialmente as coisas que não são tuas. Sempre me disseram que era falta de educação. Eu nunca dei bola pra isso, a não ser... Thanks, adoro interrupções. Um abraço, ao menos um abraço, alguma coisa que seja o oposto do frio. Hoje de manhã não dava pra ver nada por causa da cerração. Até o meu cigarro ficou úmido.”

Eu estico a perna, desarrumo o lençol e tu vai logo reclamando do frio, eu nunca te deixei terminar uma frase sequer na vida. E tu ainda me provoca, fica cantando uma música do Caetano e me encurrala com um sorriso de miss-melhores-quarenta-minutos-da-minha-semana. “Porque tu não te enrola no lençol e vai até ali fechar a janela?” Te pergunto com as piores intenções, já imaginando qualquer pedaço da tua nudez semi-aparecendo e me embalando num sonho acordado, rebolado e num meio tom além do que minha voz alcança. Tu sempre sabe.

“Eu tô desejante.”
“Tu é desejável.”
“Tu já foi mais sutil.”
“Já fui é?”

Me encolho no frio enquanto tu arrasta a cama contigo, o pouco dela que não faz companhia ao tapete. Não deixo tu dizer o que tu deseja, essas ansiedades que tu fica manuseando entre a aliança e tuas pulseiras. Não tem graça ficar imaginando o que tu pensa, eu sei que tu consegue me dar cem mil adjetivos num piscar de olhos. Mesmo sem ter favorito. Tuas costas sim, essas sim são dignas de serem favoritas de algo-alguém. De uma nação inteira. Cada pintinha, relevo, cada segredo guardado e arranhado. Aí tu te vira, me olha enquanto fecha a janela e já vai prevendo o frio ir embora.

“É tu já foi mais metido a poeta e menos grosso. Já foi até mais elegante. Já deu tchau como se fosse a declaração de amor mais linda do mundo. Já ficou em silêncio enquanto eu rugia por qualquer sinal de satisfação. Foi o ator mais brega e cafona do mundo. E fazia isso sem perder o jeito de monarca, de passista de escola de samba em pleno carnaval.”

“Só se for em quarta-feira de cinzas. Meu amor, eu não danço mais. Eu sei a Guanabara só de lembrança. Vai ver o que me falta é caminhar por aí. Viver no meio dessas coisas que só enfeitam teu mundo. É, eu devia caminhar mesmo por aí.”

“Cuidado pra não te apaixonar.”
“Logo tu me dizer isso!”

Não deixo tu terminar de voltar até a cama. Eu gosto de te interromper, de me colocar entre tu e o mundo. Nunca deixo de ser um estorvo, mesmo quando adorável. Vou puxando tua toga-lençol, teu chambre improvisado mais pra chamar tua atenção do que pra destapar teu corpo. No meio duma gargalhada tu entoa uma canção, um samba velho. Me olha do topo dos seios e os esconde como se fossem a grande novidade da praia. Cantando a gente pega no sono sorrindo. A coragem me assalta em fuga e acabo não te contando isso, mesmo sabendo que pra ti não é novidade. Daí vem a canção, baixinho. “Pra te deixar sorrir, uma onda pra olhar, da janela te sinto perfumes...”. O melhor é inventar o resto enquanto tu faz da música original teu próprio sonho.