quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Sondagens na lista de sacanagens telefônicas

As dúvidas vão surgindo uma por uma, flertam com o descaso e se aninham nos fins de dia sem grandes novidades. Não me sinto adolescente o suficiente pra atribuir tudo aquilo a um sorriso alheio ou qualquer uma dessas bobagens que não me pertencem. Nem isso, nem a uma garrafa de uísque caída num roteiro de um curta metragem. Mas, mesmo assim, me entrego com uma bandeira de derrota nas mãos e com o mais amarelado “até logo” que consigo pensar. Aí eu pego meu ônibus e deito a cabeça no vidro como se fosse o melhor travesseiro do mundo! Imagino meu ortopedista olhando pro raio-x e dizendo: “É só torcicolo.” Fala porque não é nele, nunca é neles aliás, as falas são tão insípidas quanto o consultório, o jaleco é o que me conquista na familiaridade.

Mas o ônibus não me mostra nada insípido, pelo contrário, me esquivo das pessoas como se não fosse uma delas e como se cada uma pudesse me passar todas as doenças do mundo. Mesmo assim, não consigo não olhar pra cada uma delas de alto a baixo medindo a grana, tesão e capacidade de ouvir um disco do Neil Young do início ao fim. Tudo isso pra fugir das dúvidas e sorrisos, dessas indecências que vão me rasgando por dentro aos poucos como se fossem cólica, como se jorrassem tpm por cada esquina que o trajeto me faz dobrar. Coço minha barba e esqueço do meu útero hipotético. Mas não das indecências.

Em casa eu deito pelo quarto, meio sem roupa, meio magro demais. Batuco na janela qualquer bobagem meio bossa nova só pra ver no que dá. Nunca dá em nada, me falta a pele negra ou a vivência da beira da praia, o Rio de Janeiro continua lindo e eu continuo longe dele, a areia mais próxima é a caixa do gato, e o mar, bom, me serve o início do mês do calendário, 2 de Março, ainda é quente, a meteorologia diz que vai ser o fim de verão mais preguiçoso do mundo, vai ser julho e vai estar todo mundo moreno ainda, sem casacos, sem frio da serra, sem chocolate quente. Ao menos, sem roupa. Mas a Baía da Guanabara e a bossa nova não servem de nada pra me alentar naquilo que sobra da minha ansiedade, na verdade, elas combinam bem com todo o pano de fundo bagaceiro e pequeno-burguês-apaixonado que eu fico inventando e fugindo como num episódio do Tom e Jerry.

Minha salvação é a lista telefônica, o mais insosso dos prazeres literários. Mapas, nomes e números e tu no meio deles todos, é quase uma orgia visual, teu nome ensanduichado por inúmeros outros, e bairros, e ruas e códigos postais. Talvez seja bem o teu tipo, embora não pareça. Tu não faz gênero, mas – aí, talvez seja coisa apenas dos meus sonhos travestidos de fantasia – tem charme de animal acoado quando te apoia na minha mão, ou mesmo nas minhas costas. Eu rasgo as páginas da lista telefônica com os dentes, aos pares, aos montes e faço duas grande bolas tentando imitar teus seios, sem o primoroso sucesso que o péssimo escultor que sou me convém. Tu me arde, assim como deve incomodar aquilo que se perde entre uma lente, uma vírgula, uma dança e uma terra que é nunca e é sempre, e é logo ali, em algum lugar da porra da lista telefônica.

No fundo, bem no fundo mesmo, acho que prefiro ficar paquerando essa raiva. Esse jeito áspero de batucar no marco da janela enquanto a agulha arranha os sulcos do João Donato na minha vitrola. Eu fico te imaginando com as bochechas entre meus dedos e a esperança de que o decote entre teus seios não tenha fim. E eu tenho quase certeza que tu nunca condenou tua boca a um virilha gozada ainda pulsando, procurando por um resto de pele que não te pertence, mas fica costurado em ti, tu jura que te serve muito bem, combina com tua meia-calça branca fininha, meio rasgada, um pouco noiva demais pro pouco prazer que tu sente normalmente. Eu vivo colecionando essas certezas nos teus óculos escuros e nos espaços que tu vai deixando quando tu anda, te chamo de puta enquanto mijo e sorrio com educação quando tu passa.

Eu sei. Muito. Bem. Disso tu não precisa, dessas coisas, desses exageros e dessa perversão decadente que vem com o início da vida adulta. Às vezes tu me olha como se eu fosse um mapa, e eu aqui, arranhando meus dedos pela lista telefônica como se fossem tuas costas, coxas e afins. Ainda bem que é só assim, esse estorvo inovador que bate feito tambor de terrero, ecoa na noite e fica por aí, pra ser fisgado, pra virar poema de ônibus e frase sacana de porta de banheiro. No fim do dia nem palavras, nem frases, nem punheta. Nada, esse é o grande elo entre teu sorriso besta, tua graça encantadora e a mancha de porra na minha cueca. Ainda bem que o verão já vai acabando. Ainda bem que é março.

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