quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Sábado de Carnaval (Reescrito 2009)


No sábado de carnaval, eu e Martha trocamos a primeira e última carta de amor, a dela sim, era uma carta, a minha não. Parecia mais um bilhete, não tinha pudor ou vaidade, nem palavras o suficiente para serem lembradas depois de algum tempo, mesmo assim, carregava a nostalgia de um dia e a melancolia de um beijo absolutamente medroso.

(...)

No sábado de carnaval eu acordei triste, olhei para minha mala feita e para Copacabana pela janela. Cada pessoa lá embaixo parecia ter uma vida e um destino adequado. Todo mundo ia para algum lugar, mesmo que esse lugar fosse a praia, pra ficar olhando o mundo passar, ir e vir com a maré. Era bonito, claro, mas não me servia. Na verdade, eu não conseguiria dizer o que me servia, ou o que eu queria mesmo, nem que minha vida dependesse disso.

O primeiro suor da manhã veio rápido, não que estivesse quente demais, mas se tratava de um calor pouco habitual. Os calafrios pareciam amigos de longa data e logo mudaram toda minha opinião sobre aquele agradável ambiente. Eu queria algo para me preocupar, mexia os lábios mas não conseguia nenhum som. Era estranho sentir aquele gosto de champanhe na boca e olhar as marcas do batom estranhas na pele.

Antes fosse só champanhe e aquela estranha saudade que parecia vir de lugar algum. Meu quarto não fedia a sexo, mas aquele gosto de sexo oral na boca me embrulhou o estômago com rapidez. Podia sentir as golfadas batendo no peito e na garganta... O bom bêbado sempre segura seu trago. Era um bom começo de dia, me mantendo honesto com as minhas idéias.

Eu tiro a camisa e sento de lado na janela do hotel. Sem cigarro ou bebida nas mãos, apenas uma caneta e um rótulo seco de alguma bebida importada.

No sábado de carnaval Martha não acordou do meu lado, mas, acordou com o numero do meu quarto de hotel, meio borrado, mas legível anotado no peito, logo acima dos seios. Aposto que ela acordou com uma mão entre as coxas e a outra embaixo do travesseiro, eu não estava lá, mas acho que ela queria saber por quê, se eu estava mentindo quando disse que ia embora, mas que voltaria assim que possível. Bom, a parte de ir embora era verdade, o resto era aquela fantasia embriagada que o tesão te dá, e que o par acredita. Eu não sabia muito de Martha, mas era certo que ela queria dar risada, ao acordar, de nossas promessas de cartas de amor mal escritas e assinadas com lápis de olho no espelho do banheiro. As risadas patéticas que nossa intimidade criada às pressas ofereciam eram realmente prazerosas.

Eu fico de olho nas meninas atravessando a rua de biquíni e tento imaginar Martha pegando o resto de vinho em uma garrafa caída no chão e bebendo na janela. Sentada como eu, meio desengonçada e altiva.

Aposto que ela arruma um pedaço de papel e uma caneta com facilidade. Olha para a praia e pensa em inúmeras palavras, fica encarando o sol até tudo ficar branco, até não conseguir ver mais nada, sem o desvio de atenção que os olhos provocam, é mais fácil escolher as palavras certas. É o tipo de coisa que ela pensa, aposto que sim, essas quase poesias juvenis que batem na porta das quase quarentonas, diz até, em som baixinho, soprando cada palavra. Sexo não faz nada bem para algumas mulheres.

(...)

“Um rio tem muitos caminhos, muitos lugares, amores afins. Canta comigo no moinho, a noite de uma paixão sem fim...” Canta uma enorme mulher negra no palco do bar do hotel. Cada uma daquelas palavras parece diretamente feita para mim, uma homenagem ao meu eterno ir e vir e não ficar em lugar algum. Engraçado chamar de eterno algo tão transitório. Eu dou alguns retoques no meu bilhete para Martha e verifico o horário do meu vôo na passagem.

Martha ajusta a saia e morde os próprios lábios, mas, com cuidado para não estragar o batom. Ela cantarola uma canção junto com o rádio, algo sobre a hora da partida em cada esquina. Ela cela sua carta com um beijo e sorri como se fosse a primeira pessoa a fazer isso na história da humanidade. Seu sorriso no espelho do banheiro entrega o ar de travessura bem escondida.

Eu entrego meu rótulo cheio de amenidades para o garçom e informo o número do quarto de Martha. Ele me olha zombeteiro, mas meu não-sorriso o ilude. Depois de limpar a garganta, lhe entrego uma nota de vinte, agora sim, um sorriso verdadeiro de um para o outro, com recibo e tudo mais.

Antes de fechar a porta, Martha olha mais uma vez para o quarto, desmontando brevemente o sorriso antes de retomá-lo. Ela detesta estar no escuro do dia sozinha, detesta coisas demais.

O banheiro ainda tem bobagens escritas com batom e lápis de olho.

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