sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Primer Verbete

“La carta me he dejado despierta hasta las cinco. Empecé a leyer ella después de la cena.” Terminei amparando uma lágrima inexistente no rosto, embora él não pudesse me ver, o gesto me fazia um sentido que fugia sem rodeios. “Que vas hacer ahora?” A voz do outro lado não me vendeu nenhum interesse no que eu havia dito, “por favor, nena, vaya a dormir. Deja de tonterias.” E continuou. Não me passou pela cabeça pedir desculpa por tê-lo acordado. Não sabia se pedia desculpas pelo telefonema ou por toda uma outra sorte de casos.

Um bom minuto nos correu. A conversa emudecida ganhou o ponto de exclamação da minha persiana abrindo, o sol niño me ardeu bastante os olhos. Um pouco da noite ainda respingava pelo início de dia.

“Estás sola?”, a pergunta se repetiu duas ou três vezes, mas nunca num tom imperativo ou rancoroso. Eu queria travestir uma resposta verdadeira com uma mentira fácil. Enquanto sentava na poltrona, perto da janela, deixei o telefone ir escorrendo até cair sobre minha calcinha, que me espiava por entre as coxas cruzadas. Minhas pernas pareceram brancas demais e eu teria de comprar meias-calças novas... As minhas boas, velhas e usadas, estavam com rasgos e manchas sem cor de qualquer bobagem que eu não queria perceber. Minha mania de deixar os objetos contarem histórias que me fugiam nunca me pegava desprevinida.

Esperei o movimento na rua aumentar antes de pensar em sair de casa. Isso não aconteceu antes das sete. Andei distraída até Los Imperdoables, me sentei numa mesinha da rua e guardei os óculos escuros na bolsa, Gregório se espantou bastante em me ver por ali, me ofereceu logo um expresso – na conta da casa, é claro, na gentileza dele – e disse que não poderia sentar comigo pues que o movimento estava grande. O discurso não batia com o lugar vazio, mesmo assim, fiquei um pouco constrangida com a minha vontade egoísta de alugar a companhia dele no meio do trabalho.

Me apeguei ao café de tal maneira que o fui tomando com menos pressa que o usual. Pela metade da xícara já estava bastante frio. Gregório sorria quando passava, sempre elegante com a bandeja na linha do peito e um porte de um galgo-bêbado. Eu permanecia indiferente. Há vinte e quatro horas atrás havia encaminhado os papéis do divórcio. Mais do que isso, eu havia conseguido sumir sem ter de pegar um ônibus nem nada, de repente era fácil me esconder na multidão que caminhava, entre as pessoas almoçando, na praça cuidando os velhos e suas rotinas de exercícios, pela rua dos cabarés, fugindo de inúmeros olhares que me confundiam com alguma menina trabalhando. Que tolos, eu era mais barata.

Da madrugada até chegar ao café fora apenas um piscar de olhos, literalmente, pra pessoa certa, isso, talvez não. Não queria dormir, nem sentia a necessidade. Parecia uma tarefa débil e laboriosa demais, mesmo eu não tendo o hábito de pular o sono. Los Imperdoables não era só um café, era um ferrolho, uma zona desmilitarizada, uma bobagem gastronômica pretensiosa que acolhia toda espécie de tipos. Pelas manhãs, raramente um tipo como eu.

Gregório deixou um papel na minha mesa, disfarçando mais com traça do que com descrição. Era a comanda de um casal que havia sentado numa mesa ali perto. Eles tinham comido três medialunas e tomado um suco e um cappuccino. Enquanto não olhava o verso da comanda, fiquei achando que Gregório queria despertar meu apetite. Na parte de trás, com a péssima letra que tinha: Eu saio perto do meio-dia, vamos ao cinema? Responde na tua comanda. Besitos.

Me faltava a caneta, me sobrava vontade. Não saberia como me portar durante um filme, talvez fosse tomada por uma enxurrada de casos de amor mais baratos do que a entrada do cinema, prontos pra pular da minha boca para os ouvidos do Gregório. Talvez me jogassem na rua por gritar no meio do filme.

"Não é rude deixar um cavalheiro esperando?" Disse ao passar por mim equilibrando o desayuno de alguém.

"Pergunta como se não soubesse a resposta. Parece criança." Respondi apressada tentando vencer a rota dele até a cozinha apenas com o olhar. O sorriso bastava. Queria escrever a maior observação aforismática sobre o amor no verso da minha comanda, algo sucinto que desse conta da saudade revolta de uma trepada recheada de culpa, de algum carinho alienígena livre de impostos e cobranças. Das coisas que foram e já não são. Especialmente das que talvez nunca tenham sido.

Eu não tinha conhecimento de causa para isso tudo, ao mesmo tempo que esses delírios deixavam uma espécie de impressão digital na minha corrente sanguínea, cada um deles parecia desértico e distante. Aindassim, o sorriso bastava. E bastaria durante os noventa minutos de algum filme besta.

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