segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Como el cielo (repost mto antigo)


Quatro de Julho de 1987, quinze para as sete da noite.

Olhando e deitada no meu colo. Sangrando. Dois ferimentos de tiro, um no abdome e o outro no ombro. Nora podia perguntar se eu amava, se tudo ficaria bem, o que havia acontecido ou mesmo pedir perdão. Mas ao contrário disso, ela simplesmente sorriu para mim e rolou os olhos para o céu vermelho do fim de tarde, povoado nos cantos por pequenas nuvens brancas e ralas.

“Como el cielo.”

Preferia que tivesse perguntado se eu a amava, para então me dar conta de que certas perguntas, quando se está demais envolvido com o sentimento dos outros, merecem um mentira como resposta, ao passo que a verdade faria menos sentido que a mentira. Dizer pra ela que não a amava, ou meu silêncio quanto a isso, a fazia chorar por dentro através do mais doce sorriso, memórias como essa não paravam de explodir diante dos meus olhos.

“Estraño como los angeles... Y vos como um sueño”

Manejei dizer, de forma quase cantada perto do ouvido dela, enquanto a apertava contra meu peito e, com uma das mãos, tentava estancar um dos sangramentos, o do abdômen. Quando seus olhos cerraram e o sorriso foi perdendo pedaços do brilho, gritei para o céu e olhei para o inferno. Ironicamente no chão o forte azul dos néons refletidos em uma enorme poça d’água ao lado da de sangue. No céu ainda o vermelho encarnado do fim do dia.

Primeiro de Março de 1987, quatro e trinta e cinco da madrugada.

“Vamos fazer amor de novo...”
“Tu falando ‘fazer amor’?”
“Eu não acredito que tu vai implicar...”

Então as risadas gostosas e familiares, os sons característicos que construíam a nossa intimidade. Fazer amor só depois de transar inúmeras vezes com a mesma pessoa. Ou o contrário. Nunca nos decidíamos, nunca precisávamos, acho. Queria não dizer que a amava, e ela, de alguma forma, lutava para não me amar. Certa ela, ninguém nunca ganhou nada por me amar. Não chegava à pieguice de dizer que era um martírio se apaixonar por mim, mas, era algo repleto de... Arestas.

“Tu me ama?”
“Era dessa luminária que tu tava falando?”

Seguido de um cigarro ou um beijo, um gole d’água ou café.

“Já parou de chover... tão rápido.”
“Qual o problema.”
“Ah, eu gosto do jeito que eu fico quando tá chovendo.”
“Eu também.”

Talvez o mais apaixonante nela, tirando o lindo corpo, a pele macia, o espírito ácido e revoltado, com uma criancinha no fundo, era a habilidade dela de me dizer alguma coisa com qualquer outra coisa.

Oito de Abril de 1987, meio da tarde. Provavelmente cinco.

Queria chorar. Queria que ela fosse embora de alguma forma, queria nunca mais ver ela e que ela nunca tivesse aparecido na minha vida. Queria que ninguém nunca tivesse surgido na minha vida. E todas essas bobagens que a gente pensa quando está magoado com quem a gente ama.

“Então... Tchau, me liga mais tarde.”

Que poderia ser entendido muito mais como: “Eu te amo, não me deixa ir, me faz sentir qualquer outra coisa que não isso, por favor.”

Mas certamente ela não entenderia isso.

Sete de Julho de 1987. De manhã, bem cedo.

Ao pé da lápide uma rosa, feita de papel. Havia feito o que mais estava fazendo para completar meus dias há algumas semanas, encher a cara para poder aguentar o mundo. Não fazia muito sentido, mas, entorpecido, viver parecia doer menos. “Cada hora machuca, a última mata.” Quantas últimas ela queria viver? Quantas últimas eu tinha vivido até ali? Inúmeras, aquela era mais uma delas, com o diferencial de que se tornava mais triste por ser, realmente, a última vez que poderia lhe dar uma rosa de papel. Dizer que o amor é uma bobagem nossa e que tudo vai ficar bem, que ela podia contar comigo fosse o que fosse. Mas ela não me ouviria, como de costume também. Ao menos poderia ficar olhando para seu sorriso por muito tempo sem que ela perguntasse “O que houve?”. O que houve? O que houve é que te amo, infelizmente.

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